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Letras et cetera - Revista Digital

A giesta de Montefrio

Minha Senhora - que não conheço - honra-me a vossa homenagem.
Se sou cruel monte,
preenchido de ríspidas torgas que bamboam,
na aragem das estações, que se sobrepõe em feixes de tempos, com inépcia.

Sou um organismo velho, com a antiga Grécia.
Já sem escolhos de descoberta... as minhas ilhas são áridas
e as minhas faces espadas de actas revolvidas,
peles esquálidas,
mal estendidas.

As minhas barbas; são quase o tapete que vos leva às praias do vosso gozo
- diletante feitura -, na vertente abrupta, que espera espaço de pouso.

Resta-me o vento, que açoteia e varre o meu cume
- de quente que era -. Sou frio como a manjedoura do ciúme
oferta à criança,
que animais escondiam,
porque sem pai,
a mãe,
remava na vergonha do provável incesto.

Roma e Atenas. Era tudo terra de manifesto.

E foi no meu monte álgido que enterra a cruz e cai.
Morre na carne e, nasce no dogma de profundas cicatrizes.

Carreiros infames, lençóis crus de meretrizes.

No repasto universal. Minha Senhora.
Sou encovado, como o meu pai primeiro, antes de ser levantado
por qualquer trejeito dum diabo ou dum deus.
Que me fez monte inteiro.
Afilhado dos Pirinéus.

Nada mais me honra que a vossa referência ao monte
do cristo literato. Chorado ou atado.

Sou a ante-fonte.

E da sua cruz de tormentos algentes...
não quero. Nem os seus espinhos, nem os seus poentes.
A minha farrapada, é de ser monte.
A dele, era de ser fonte.
- A cada um a sua cruz, minha Senhora
chorosa madalena, que ninguém namora -.

Sou ainda poeira de mãe de peitos montanhosos
que morreu quase ignara.

Como o vulgar dos tuberculosos.

Viaje nos meus pés, ignore os meus contrafortes.
Sou encabeçado, abelhudo e sem sortes.

Àlgebra, Senhora... sou ainda, sem soma. Nos pedregulhos
que atormentam os vossos pés luxuosos embrulhos
nas minhas esmagadas. Sem culpa, - fráguas -
Onde recebo então as vossas pragas, como baldes de sujas águas.

Ainda no seio de qualquer dos meus montículos,
passeiam restos de antigos animais.

Dizem que sugo o sangue das bestas, como os arcaicos canibais.
Não creiais, Senhora. São disparates da era moderna.
No fundo. Não sou que uma falhada cisterna.
As águas escorregam-se-me para sopés doutros sonhos.
Recebo apenas como carinhos. Sopros de fantasmas medonhos.

Sois cruel, Senhora. Tratando-me de antepassado!.
Antepassados eram os bois da minha avó que só lavravam o terreiro já lavrado.
Cornudas bestas, que mataram o amor que lhes pedia demasiado suor.

É do mundo a poeira do monte frio.
No meu seio, não espere Senhora. Que golfadas de calafrio.

Ah, Senhora, minha Senhora, doce Senhora.
Quisera eu ser Creta.
Alta como o Zefos que vos espreita na suspeita do pecado Celta.

Se voareis dos meus altos, para os baixos buracos impuros
de abraços pesados como murros.
Tende cuidado senhora.
Levai aselhas de chumbeira.
Para cairdes mais depressa, na fornalha desta aviltada eira.

Envio-vos poeira solta, como folha de recados.
Fechai os olhos ao soletrar os meus versos falhados.
Nas minhas mãos. Possuo uma encarniçada giesta gelada.

Afastai-vos do meu alcance, podereis levar vergastada.
Senhora de desafio e brio.
.
Que é dona de Monte Frio

Montefrio

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